domingo, 4 de dezembro de 2016

passageira

vida frágil
vida salta
vida solta

decolam os aviões
a saudade ecoa no peito
órfãos cadenciam as orações
permanece aqui
permanece a saudade
a travessia já se fez
a ausência está mais presente do que nunca

vida breve
vida leve
vida passageira

a vida se vai
fica a dúvida
fica a desculpa ainda não dita
o perdão não dado
o sorriso guardado
o abraço não tem mais o corpo para apertar

vida louca
vida rouca
vida transcendental

a música é tocada nos funerais
choros e velas
orações e interrupções
viúvas, viúvos
órfãos desajeitados
no fim
quem fica quer poder ser egoísta
pra pedir que quem foi
que fique um pouco mais

vida fragmentada
vida abençoada
vida renovada

ficam os pedaços
os pedaços estilhaçados dos que ficam
ficam os pedaços
os traços na lembrança de quem fica
aquele que foi e deixou saudade
o tempo passa
a vida passa
a morte surgirá novamente

vida surge
vida urge
vida vai

a morte chega
os que ficam
os que ficam não são os mesmos
o toque, o encontro, o viver com o outro
a vida ladeada transformou as cadências
a ausência do outro faz com que se mude
emudecidos gritos de saudade
a fumaça sobe
nunca mais seremos os mesmos
estamos marcados eternamente
pela presença da falta do que já se foi

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

flerte

te vi passar
te vi passar
poderia deixar
poderia fingir não notar
mas seria idiotice
lhe ver
e não flertar com a felicidade

sou alma pequena
tudo ainda é uma construção
talvez tenha fracassado antes do fim
mas se não houve fim
tudo ainda pode se resolver
ou se complicar
viver é complicado

te vi passar
te vi passar...
agarrei tudo o que podia com os olhos
lancei toda luz que tinha
corri o quanto pude
escrevi uns versos
fiz uns olhares
falei algumas besteiras

não podia deixá-la
seria eu uma pipa sem vento
seria chama sem escuridão
veleiro sem mar

de todos os lugares que passei
de todos os abraços em que já tive
seus laços foram os mais cativantes
suas formas mais intrigantes
seu jeito mais inspirador

não há nada neste mundo
que seja absolutamente concreto
nem mesmo somos nós
das almas que já toquei
das loucuras que inventei
certamente
você é o meu risco mais prazeroso
meu desconforto mais gostoso
minha bagunça mais terrível

estou eu aqui
brincando de felicidade
com todas as peças que o mundo me deu
com tudo o que tenho
flertando com a vida
flertando com o riso
flertando com o risco
flertando com a felicidade

sábado, 19 de novembro de 2016

vênus

estrelas no céu
a lua sem véu
cores apagadas
duas almas embriagadas

toda nua, preta musa
ainda um pouco confusa
suor, risos e prazer
noite que nunca vou esquecer

uivam os lobos pela cidade
abre-se um leque de possibilidades
num quarto laços no escuro
um misto de gemidos e sussurros

na pele o sal
doce e quente
distante do mal
fora da mente

o mundo parou naquele instante
ela em meus braços, radiante
não importava mais o futuro
me sentia um menino mais maduro

trocaria toda a eternidade
por essa felicidade
um instante apenas
pra alma que não é pequena

se o mundo for meu
reviverei o que aconteceu
do modo que puder
lhe amarei novamente mulher

sereno

amanheceu rápido demais
a paixão incendiou os laços
o fogo devorou a carne
tudo ficou estremecido
depois de ter quase todas as certezas abaladas
veio a tarde amansar o dia
um respirar mais lento
apaziguando um corpo acelerado
a noite chega
as estrelas e a lua
os pensamentos se dissolvem
a racionalidade do homem se suspende
a leveza do poeta ressurge nas entrelinhas
a calma volta a reinar no coração
assim como o orvalho que cai na madrugada
a serenidade abraçou o poeta

porvir


feche os olhos
sinta o mundo
ouça o vento

preta
um sussurro na madrugada
seu colo ainda é meu
meu corpo ainda é seu
a noite não terminou

preta
teu riso vestiu minha alma
seu jeito tocou minha fragilidade
seu corpo está em mim
meus versos estão em ti

meu abraço pede sua cintura
minhas noites pedem sua presença
seu cabelo sente falta dos meus dedos
suas madrugadas pedem minha voz

estou me segurando o quanto posso
as horas estão passando
a chama vai se apagar
no meu peito tem seu nome
a cicatriz já se fez
marca feliz de algo bom

apenas o suficiente
nunca pedi nada a mais que isso
mas tenho um lábio insaciável

chegou o fim do começo
a pluma deve voltar ao vento
o navegante ao mar
o sol ao céu

preta
foi bom estar contigo
o lençol ainda tem meu cheiro
o laço não foi rompido
apenas esticado

preta
me deixe a janela aberta

domingo, 6 de novembro de 2016

radiante

as estrelas no céu me apontaram
cadenciaram um caminho
das oportunidades da vida
das limitações do corpo
dos encantos da alma
uma mulher
uma mulher
o sorriso iluminado
os cabelos ondulados
a cintura fina
o quadril...
das esferas que compõem o mundo
das correntes que cercam a vida
a argola no nariz
meu corpo ainda tremulo
um corpo de musa sob a luz da noite
radiante
o sol
o sal
o sal doce dos lábios
um som revelado
morena pele macia
um jeito inflamável
a vontade que não cessa
um desejo constante de abraçar
todo universo compilado num emaranhado
mãos
bocas
pernas
uma silhueta inspiradora
um encanto além dos céus
nove patamares mais próximos do espaço 
próximos das conjunturas e influências dos astros
a cidade se envaidece
o dia chega
já é manhã
não quero ir
as ruas da cidade ainda estão vazias
a saudade da madrugada percorre as rodovias
os olhos meus ainda em claro
o coração extasiado 
o perfume dela em minha camisa
pedaços de mim deixados no sofá da sala
tracejo dela em meu peito
um afeto atravessado no coração

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

ódio

mesmo que eu lhe mate
mesmo que você me mate
o ódio que há em mim
o ódio que há em você
continuará vivo
ardendo e ferindo o peito
o tempo vai passar
muita coisa vai acontecer
a cicatriz irá lembrar
o momento de cólera e cegueira
mesmo que você termine com o meu ser
mesmo que meu corpo seja coberto com terra
minha alma irá vagar pelo mundo
seu rancor sobre mim
sua vontade de vingança
nunca será completa
seu ódio continuará aí
pois não sou eu quem você odeia
sou apenas um objeto de investimento
o seu ódio não é por mim
mas sim por aquilo que lhe represento
e represento apenas algo indesejável
indesejável em ti
só deixará de sentir
de sentir o ódio em seu peito
no momento em que suportar
suportar a ideia de que somos diferentes
e sim
irá matar
matar ou compreender
aquilo que em você gera tanta dor
aquilo que é impossível ser visto
ser visto em ti
a não ser
a não ser refletido em mim
quando der sentido a isso
quando a metáfora chegar a uma imagem
quando a lagarta tornar-se borboleta
seremos libertos
eu e tu
meu ódio
teu ódio
em mim
em ti

terça-feira, 25 de outubro de 2016

frieza

desejos se esbarram na cidade grande
olhares se cruzam sem se ver
a frieza das marquises reflete os corações
nos mercados, nas farmácias só se fazem compras
luzes e pétalas
sonos comprimidos
as manchas nas calçadas
as lápides nas esquinas
os afetos não se tocam
apaixonados por uma foto quadrada
vários filtros e esquemas
lábios que não falam
vozes desalmadas lançadas ao vento
toda nudez nas pontas dos dedos
deslizantes na superfície plana
flertes e desagrado
descartáveis
não há perfume nos cabelos
não há o beijo no pescoço
trocam-se likes
não tocam-se
palavras são somente palavras
o respirar quente e úmido é distante
distante demais para ser sentido
as pupilas não dilatam
a luz vem do cristal líquido
as velas foram esquecidas
o vinho é apenas adorno de enquadramentos perfeitos
curtidas incessantes nas caras e bocas invisíveis 
não há tempo para sonhos
não há espaço para fantasias
o que não representa o desejado
é lançado para o lado esquerdo

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

pernoite

quando o céu cobrir o mundo com seu manto de estrelas
que sejamos nós os egoístas a desfrutarem o gozo do néctar da noite
pois presente dado pelo universo
é presente para ser degustado com lábios de agradecimento

me dê a mão
me abrace como puder
cole seus lábios nos meus
as estrelas são infinitas
e temos a noite toda para contá-las

ao nascer do Sol celebraremos a nova vida
o novo dia
me faça um café
eu lhe acariciarei os cabelos

escuta

inventei histórias
histórias imaginárias
para dar sentido pra algumas coisas
inventei fantasias 
fantasias de heróis
heróis para salvarem meu dia
elaborei sonhos
sonhos que me fizessem suportar a realidade
construi paraísos artificiais
coloquei em choque meus oásis
fiz contas
refiz caminhos
fiz tudo o que podia
me restou a solidão
na pior das hipóteses
na melhor das hipóteses
fiquei sozinho
sozinho pude ver
que tudo o que inventei
tudo o que me fez flutuar
foi a vontade
a vontade de lhe falar
qualquer palavra que seja
qualquer ideia infundada
qualquer bobagem em letras
só queria um pretexto
pra lhe escrever um texto
e lhe dar um bj de boa noite
e desejar que amanhã acorde bem
peço ajuda às estrelas
pra que vc possa amanhã
me fazer ouvir novamente

domingo, 11 de setembro de 2016

ponteiro


estamos vivendo o fim dos tempos
talvez seja porque o tempo sempre acabe
talvez porque estejamos vivos
estamos vivendo
em meio ao caos
em meio as guerras
em meio as dúvidas
estas, as duvidas
estas ocupam a maior parte do nosso tempo
e o tempo que está sempre no fim
não passa
não há fim enquanto ela não se desfaz
e o tempo
o tempo se vai se acabando sem nos darmos conta
acabando...
acabando...
mas acho que é isso
é pra isso que serve o tempo
pra acabar
o ponteiro do relógio só inicia um novo dia
depois de ter passado pela segunda vez o 12
o ponteiro termina o dia
ponteiro devorador de tempo
mas acho que é isso
essa é a mágica do tempo
vai renascendo...
renascendo...
até a gente não poder mais
até que o 12 nos passa o ponteiro

preconceito

uma visão
uma fotografia do momento
e tudo se faz impossível
fechamos as portas
impossibilitamos
num mundo de aparências
estética a flor da pele
interrompemos a plenitude
um aspecto que foge a padrões
um corpo real de forças e virtudes
não se mostra
interrompemos as decolagens
não deixamos embalar
tudo acaba sem começar
quebramos a possibilidade
e nada do que é belo no mundo
o verdadeiro extraordinário
pode aparecer
não floresce
não deixamos germinar a semente
não notamos a energia no grão de mostarda
passamos
derrotados sem lutar

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

progresso

queria não pensar em progressão
em crescimento
em superação...

queria pensar diferente
queria que o mundo não fosse
não fosse à diante
à diante
adiante

queria que tudo fosse junto
presente
passado
futuro
queria que tudo fosse junto

o tempo passa
e na outra reta
na outra dimensão do gráfico
no primeiro quadrante
o mundo pede para demonstrar uma reta
uma reta crescente
ascendente

a onda adentra a praia
e se recolhe
a lua enfeitiça as mares
o oceano se levanta

domingo, 4 de setembro de 2016

clarão

todos os olhos nublados
nuvens
nuvens cinzas cruzando espaços

todos os olhos nublados
sem cor
sem brilho
sem vontade

o Sol nasceu
nasceu naqueles olhos
olhos teus
azuis olhos do amanhecer
luz

olhos estelares
astros
o Sol raiou na multidão
apenas dois laços azuis
no céu se abriu
um universo intergalático

aquela claridade
aquela luminosidade
dois azuis
um novo mundo 
um clarão

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

aprendiz

o sol nasce na terra
amanhã, a manhã
clara
o frescor e toda florescência
ela acorda
ela me devora
a garota

a cada amanhecer
uma nova escola
observação
compreensão
sentimento
descobrimento
afeto...

tento aprender a cada dia
aprendiz de tecelagem
tentando entender sinais
minúsculos movimentos
movimentos circulares dos pés
mordida no lábio inferior
riso no canto da boca
tremores
pequenos terremotos corpóreos

seu andar
seu rebolar
sou aprendiz
cumprindo DP
diariamente

ela amanhece sempre outra
todos os dialetos roubados
todas formas abstratas
arte contemporânea

sou aprendiz
nem sei se aprendo
nem sei por onde ir
mas permaneço
observando cada amanhecer
estudando noites intermináveis
vou assim
na vivência
vivendo com ela

terça-feira, 26 de julho de 2016

balneário


estou parado à beira da calçada
costas para o mar
imenso mar
estou observando
apenas observando
minha inspiração
minha inspiração escalando os prédios
arranha-céus
arranho as palavras no papel
o som do mar
a brisa leve
as bicicletas
longboard
loiras
muitas loiras
sou quase um ser de outro mundo
como o próprio indígena em sua terra natal
tão diferente de todos que o cercam
a inspiração flutua como névoa
como a neblina que permanece pela manhã
fria
fria e mareada
amanhã
da barra sul à norte
caminhadas infinitas
agasalhos
cervejas
cafés

domingo, 17 de julho de 2016

pausa

pose de Buda
cabelos suspensos
no alto da flor um coque

o rosto sereno
duas mechas desenhando o rosto
os lábios cor de rosa

um tapete e um mantra
a respiração controlada
contagem progressiva

a vida vai passando
o Sol vai caindo
ela está em paz

um gato faz um chamego
um copo de água
flores no jardim

anoitece o vislumbre
uma pausa no cotidiano
pronta para seguir novamente

quinta-feira, 26 de maio de 2016

ritimo

olhos olhos
fitam fitam
correm esbarram
procuram arrastam
olhos olhos
fitam fitam

lábios lábios
beijam beijam
lambem tremem
mordem esquentam
lábios lábios
beijam beijam

braços braços
abraçam abraçam
prendem apertam
entrelaçam aproximam
braços braços
abraçam abraçam

corpos corpos
encaixam encaixam
encontram suspendem
flutuam gozam
corpos corpos
encaixam encaixam

quando nossos olhos se fitarem
nossos lábios se beijarem
nossos braços se abraçarem
nossos corpos se encaixarem
o mundo mudará
a voz calará
seremos nós e o universo

domingo, 8 de maio de 2016

banho

quando entrar no banho
quando a água morna precipitar em seu corpo
quando a espuma escorregar sobre sua pele
pense um minuto
feche os olhos
sonhe nós dois
imagine o mar
imagine o rio
imagine cada possibilidade
esfregue seu corpo
hidrate os devaneios
potencialize
aqueça aquilo que está por vir
desenhe
deslize
saiba
tenha a consciência ambígua
coerência de nós dois
tome seu corpo todo
banhe a volúpia audaciosa
cada pedacinho da superfície
com a potencialidade de ser visitada
visitada por um aventureiro lunático
toda parte
todo universo
que tem o direito de visita
que será abordado
acariciado
beijado
um potente encontro
lábios meus
lingua
corpo outro
alma outra
a mesma
mesma substancialidade de instantes
estarei contigo
enxugue seu corpo
não enxugue seus desejos
entregue-se à chuva
permita-se
me espere com a toalha enrolada
os cabelos molhados
lhe desvendarei aos poucos
descobriremos novos universos
voltaremos ao banho

sexta-feira, 15 de abril de 2016

voz

quando ela fala o mar se acalma
a lua inspira
a rua envaidece

enquanto fala
saliva
um salivar de desejo
devorativo
como quem vê um banquete
quando o amor toca os lábios
e a barriga pressente o prazer

a voz rouca
o assunto pouco importa
os olhos enevoados
meu pensamento perseguindo
perseguindo o fio da meada
pra se acaso ela perguntar algo
eu ao menos possa repetir
repetir a última palavra

sabe quando fechamos os olhos
nos acalmamos
estabilizamos a respiração
nos desconectamos do mundo
para poder nos focar em algo
um único elemento mundano...
a voz amada

por ela naveguei o universo
por ela me fiz mudo
por ela sorri sem precisar

o encantamento da sereia
um discurso perfeito
não havia ideias nas palavras
haviam minhas ideias
minhas palavras
e a imagem dela
um paraíso sonoro

domingo, 10 de abril de 2016

estático

o mundo se preparou todo
apontou o caminho
revestiu as pedras
pintou as faixas
faixas de pedestres

o vento soprou
a vela arqueou
a bússola estava certa
não havia dúvidas

um sorriso abriu o universo
os eixos estelares
todas as constelações
havia tudo o que precisava
um só caminho
faltava apenas uma decisão

ir adiante pareceu impossível
hesitou no balançar do planeta
palpitou as emoções
deixou a coragem acanhada
permaneceu estático

quinta-feira, 31 de março de 2016

flores

quando eu lhe trouxer flores
por machismo ou ironia do destino
quando eu lhe presentear com segundas intenções
receba meu afeto
pois assaltei mil jardins
para lhe encontrar
a flor mais bela

quando eu lhe trouxer flores
embrulhadas, frescas ou amanhecidas
saiba que lhe trago o possível
no impossível acaso de pronuncias
lhe trago algo palpável
para lhe apresentar
todo o emaranhado de insanidades
que me borbulham no peito

quando eu lhe trouxer flores
peço que coloque uma nos seus cabelos
pois sabes bem
que seus cabelos...

quando eu lhe trouxer flores
rosas, margaridas ou girassóis
saiba que nenhuma delas
pode perfumar meus ideais
como nosso encontro

quando eu lhe trouxer flores
trarei também todo de mim
toda minha abertura de ser
todas as pétalas do arco-íris
para lhe entregar em buquê

quando eu lhe trouxer flores
aceite ou rejeite
mas acima de tudo
olhe nos meus olhos por mais cinco segundos
pois assim poderei carregar a imagem
a imagem da mais bela flor que já vivi
o jardim mais belo
a vastidão do seu olhar

sábado, 26 de março de 2016

suor


tentei guardar o vento
cata-vento
queria sentir o frescor
queria a eternidade
mas o vento
o vento...

não há inspiração
não surgem os versos
como chuva imprevisível
tempestades em céu azul

as ruas ainda vazias
madrugada fria
o sol nascente
um copo de cerveja

algo que vive dentro
que tem seu próprio pensamento
nas vibrações
agitações
o corpo canta
letrados resgatam
os versos que correm nas sarjetas

quando o corpo transpira
os poemas escorrem pela testa
não controlamos nada
o vento necessário
ventilador intergalático

trocamos ideias
por signos ascendentes
tragédias por amores platônicos
realidade por carimbos no pulso

o vento
cavalo selvagem
é belo
é paraíso
por ser selvagem
domesticá-lo
é botar água no vinho

quarta-feira, 23 de março de 2016

afrodite


veio com o vento
que sopra sem cessar
veio me trazer
algo a me inspirar

veio na tarde quente
clara como a luz do sol
sublime como a luz da lua
misteriosa como a noite

os cabelos negros
o sol em escorpião
alma de musa
jeito de menina

embaralhou meus pensamentos
volantes pensamentos
se dirigiram feito bússola
confusa e atormentada
apontaram para o céu

recuei por saber
que a musa construida
era a mais bela das coisas
sabia que Afrodite
somente és bela
nos quadros ainda não pintados

pezinho

 
tens um sorriso lindo
os olhos grandiosos
os lábios felinos

mas seus pés
seus pés
são verdadeiros oásis
oásis de perdição

pequeninos
graciosos
e delicados

quero que saibas
que aos teus pés 
aos teus pés menina
tens o mundo
e a mim também

pegasus


não bote a boca em minhas palavras
deixe que eu diga
que eu pense
não seja injusta
deixe-me flutuar

tu me calas
me celas

no galopar de Pegasus
com lábios enfurecidos 
me impediu de voar

com o beijo em meu beijo
as mãos em meu pescoço
um cabresto em meus sonhos
lançou-me em postagens ilusórias

colocou beijo em minhas histórias
calou minhas palavras em seus lábios
as línguas mudas
remexeram ideias ainda não pensadas

domou a lenda
dominou o mágico
corrompeu o mistério

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

casquinha

ela botou seu vestido branco
branco rendado
calçou as sapatilhas roxas
emaranhou uma flor amarela nos cabelos
negros cabelos longos da pequena

ela tinha o perfume das rosas
uma mistura de vendavais
e nuvens brancas das montanhas

na tarde quente de verão
um domingo para ser mais exato
foi tomar sorvete
limão e chocolate 
na casquinha
combinação perfeita
tipo ela
azeda e doce
branca e preta
tímida e revolucionária

observava o mundo
seus pensamentos voavam
o sorvete derretia
derretiam também os passantes
mas nem todos perceberam
ou entenderam
a beleza daquele instante
um universo todo 
os lábios molhados
a língua na mistura
gelo e fruta
leite e chocolate

havia um frescor
novas possibilidades
novos sonhos
a brisa em seu cabelo
a flor preciosa
que carregava outra

as roxas sapatilhas balançavam
os pés que não alcançavam o chão
balançavam também
toda a certeza
de que gozaria novamente
algum momento como este
simples
inspirador
mágico
um sorvete
uma tarde
um domingo

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

alucinado


náufrago em seus olhos
mareados olhos
encantado por uma beleza imaginada
devoto de uma paixão
paixão que nem está

os perfumes flutuam as galáxias
seu cabelo preto
solto amarrado
os lábios rosa
Rosa

procurei você
nos meus mais sórdidos pensamentos
nos bares mais escondidos
nos mares mais longínquos

a cada passo
a cada laço
fiz novas lembranças
cada praia
cada pedacinho de miragem
sonhava você

o sal do mar
o sol nas ondas
seu pescoço arco-íris
as nuvens
deuses inexistentes

sei que não existe
mera criação de um alucinado
a construção devaneio
o vento
a maresia
a ressaca

corrompi meus versos
as palavras emudecem
os olhos corroem
o calor condena

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

cego

a claridade me cega
cega o homem da escuridão
acostumado com a firmeza da rocha
com a segurança dos meus passos
me vi bamba
me equilibrando com os braços abertos
nas ondulações do vento
nas incertezas da vida

o mundo se fez água
solúvel
líquido
totalmente passageiro
podia aceitar a efemeridade das coisas
mas o biscoito é sempre o último no pacote
o beijo é sempre de despedida

a luz clareia
clareia a obscuridade do patético
os romances não são bem vistos
não são sonhados
são apenas mais um gênero literário
moda do passado

nas superfícies impenetráveis
nada de profundidade
as conversas triviais
piores que a própria chuva
ou o sol
a vida do outro
parece ser mais importante
nada mais de poesia
ou ao menos loucuras

perdeu-se o mundo
criou-se a vida
moldou o homem
iluminado homem
cego de certezas
e julgamentos
de vidas alheias

a poesia
filha bastarda da linguagem
é esquecida nos becos
recolhida por caminhões
queimada nas lareiras sociais

nas rodas de conversas
nem se roda mais
a iluminação
a luz que cega
ensurdece o espírito
nada mais é perdido
nem o tempo
nem a foto
a selfie

da escuridão eu sabia bem
não havia razão
tudo era permitido
reprimido
me fiz homem
raso e vasto
para que todos me vejam

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

gato

meus olhos irão tocar seu coração
buscarei qualquer coisa
qualquer coisa que lhe provoque
qualquer laço que eu possa me prender
tentarei as estrelas
as metáforas mais ancestrais
as desculpas mais astrológicas

desenharei você
nos versos
mais perversos
engendrarei planos
desafios
e estratégias

seus lábios de menina
suplicarão os meus
seus batimentos
inevitavelmente
se alterarão ao fitar meus olhos

em todos os lugares
nas infinitudes de acontecimentos
eu serei o seu
o mais intenso
e incompleto
aconchego

o álcool que me embriaga
os poemas que me inspiram
são meras coincidências
com a musa nascida
a ilusão criada

não prometo nada
nem poderia
mas já dei um passo
e agora
sei que o mundo irá girar

não sou profeta
nem vidente
nem poderia ser
sou idiota
sei
mas saberá mais
e sim
seremos nós

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

long neck

me tirou da geladeira
com ar de descobrimento
ar de contentamento
me tomou pelas mãos
mãos quentes
conversou
desconversou
fez com eu que pensasse ser
ser sua melhor escolha
sua mais decidida escolha
me girou
me descobriu
abriu
fez com que eu pensasse em tudo
em todas que já vi passar
me convenceu
me conquistou
me levou vagarosamente aos seus lábios
macios lábios
me tomou
me usou
rimos e nos alegramos
gozamos o âmago da embriaguez
fizemos planos
contamos as estrelas
naqueles cinco minutos
naqueles minutos
muitos beijos
alguns goles
quando se anunciava o fim
ficamos mais contentes
extasiados pelo fim de noite
pelo encontro acontecido
você me deu o último beijo
inesquecível
o último gole em mim
e me deixou
me esqueceu
nem sequer soube das minhas marcas
fui apenas mais um no seu rol de conquistas
encostado na beira do poste
jogado na sarjeta da rua escura
sequer se lembra que me bebeu
que devorou minhas entranhas
que nossas bocas se fundiram
que a alegria percorreu nosso corpos
daqui posso te ver
abrindo novamente a geladeira
enfeitiçando mais um desajuizado
descartando mais uma alma
alma descartável
que se quebra

sábado, 9 de janeiro de 2016

moleca

ah pequena
nos seus lábios 
vi o coração
um desenho
em carne
um coração pulsante
pulsante desejo

ah morena
nos seus olhos
vi o mundo
vi que tudo
tudo não passava de ilusão

ah menina
nos seus cabelos
nos seus cabelos
encontrei a canção
a música que estremece a vida
que carrega a guarida
lugar onde quero morar

ah moleca
no seu jeito
simples e sereno
encontrei o aconchego
os passos que quero dar
os ideários que imagino ter
os versos que ainda posso escrever

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

desdizer

se soubesse que amanhã morria
e a primavera fosse depois de amanhã
morreria contente
as flores
as flores
desabroxam
mesmo eu não estando aqui
mesmo que eu não as veja
mesmo que eu esteja morto
na primavera
a vida vive
mesmo se minha morte existir
minha inexistência
não para o mundo
mundo que acaba para mim
não termina egoicamente

o mundo vive
mesmo que eu não viva
nele não mais

os sorrisos sorriem
as plantas verdejam
os ventos velejam
os beijos se beijam

tudo se faz
como sempre foi
e como ainda será
o trem continua
mesmo sem nenhum passageiro
fica mais vazio
mas parece não se importar tanto

me dê permissão
para gozar da minha partida
para me alegrar com a derrota
e triunfar sobre a passagem
pois a alegria que me dá
ainda há valor positivo
na maior negatividade do mundo
há quem diga
que o mundo gira
e quem sou eu
para desdizer

domingo, 3 de janeiro de 2016

janeiro



de janeiro eu vejo
um ano inteiro
janeiro um beijo
beijo de despedida do meu velho
ano velho

janeiro é promessa
de que depois da festa
o que ainda resta
são mais que 12 meses
mais que trabalho
mais que o orvalho
das manhãs seguintes

janeiro é esperança
de que depois da comilança
ainda reste a possibilidade
de aproveitar o carnaval
gozando de corpo escultural
nas areias brancas à beira mar

janeiro é desejo
desejo de ano bom
de férias escolares ininterruptas
de feriados prolongados
nos calendários pendurados

janeiro é preguiça
cochilo depois do almoço
depois do café
café da manhã no almoço
churrasco na segunda
saideira na terça

janeiro dos sonhos
sonhos e planos
e o que mais se pode desejar

janeiro é começo
nem tão empolgado
meio afogado
de algum projeto
do que surgirá
promessas e decisões
janeiro