terça-feira, 29 de dezembro de 2015

taças


como desço o mundo
como adormeço nesta noite
se seu rosto e seu sorriso
me pedem para ficar desperto

sua voz
sua voz recitando alguns poemas
sejam Drummond ou Pessoa
sua voz entoa minha vida
minha curta vida
meu sonho noturno

nada como a voz
a voz aveludada da morena
o que faço com a noite
se as estrelas se calam
se calam para escutá-la

a alvorada chega
meus olhos cerrados
meus olhos quase fechados
eu ainda inebriado
eu embriagado
eu querendo ela
a voz sem cessar

quero continuar a ouvir
a escutar os versos
mas a vontade de molhar aqueles lábios
aqueles grossos lábios...

uma cicatriz se fecha em meu peito
outra se abre do lado inverso
uma lágrima escorre 
minha lágrima na nuca dela

interrompi os poemas
dádivas de qualquer sonâmbulo
a voz dela cessou
entristeci
mas alegrei
uma nostálgica sensação
uma vontade de repetir
de mesclar os dois prazeres

não teria a voz
se tivesse o beijo
não teria o beijo
se tivesse a voz
persegui gemidos...

como adormecer
se o meu desejo
se o meu anseio
é estar em vigília
é ouvir a voz
navegar os versos
mergulhar nos lábios
naufragar nos cabelos

sucumbi a limitação do corpo
como bons restos diurnos
ainda pude sonhar
sonhar com o objeto desejado
e neste vai e vem
neste ouvir e beijar
me perdi
entre o sono e a vigília
o sonho estava nas duas taças

domingo, 20 de dezembro de 2015

desjejum

os lábios feito estranhezas
as pernas trêmulas
o medo de perder o momento
o momento especial

um corpo ainda desconhecido
uma boca ainda inexplorada
os movimentos
os cheiros
os laços

na instantaneidade
na circunstância
na falta de oportunidade
na abertura dos braços
as mãos dadas

temi ser apenas um vassalo
um objeto descartável
fui usado
sei que fui
mas usei também

se a janela aberta mostra a chuva
é para lá que se deve ir
um salto e tudo vale
o corpo se molha
os abraços se mostram mais interessantes

o amanhecer é exagerado
o dia tem pressa
e apressa o que deveria ser calmo
o que deveria ser degustado
o que ainda era imaturo

a vontade de devorar era tamanha
que o alimento
o cardápio do dia
mostrava apenas
a vontade
meu lábio inferior

no desejo de lambuzar o macio lábio
a pressa foi mais violenta
a fome devorou antes de sentir o gosto total
e o dia amanheceu

tantos lugares que desejei passar
tantos toques que não pude dar
o pescoço
os cabelos
as mãos...

sei que já é tarde
já anoiteceu
a memória se faz bela
um café da manhã bem servido
um desjejum de lábios
o que quer o poeta?
se não inspiração?
um bom dia
um bom abraço
mordidas e arranhões

domingo, 13 de dezembro de 2015

penhasco

a beira de um penhasco
sem limites
sem filtros
apenas o desejo
a vontade de satisfação

um caminhar pelo fio da navalha
sexo, drogas e infantilidades
sem pensar no amanhã
percorre o mundo loucamente

a mais frágil coragem de viver o mundo
a sensação de provar a todos
que regras são feitas para serem quebradas
pela simples satisfação de rebeldia

viver intensamente
cada instante
cada momento
sem pensar o que vai dar
com quem vai ficar
quantos tombos vai levar

anda de moto sem capacete
pela simples satisfação de sentir o vento
ignora o perigo
goza do perigo

acelera até o raiar do dia
foge da realidade que há em volta
corre pela cidade
se embriaga de fantasias
ainda não sabe que em seu peito
há muita claridade

não conhece a força que tem
a capacidade ainda inexplorada
faz coisas feito criança
mas é um poço de sanidade

terça-feira, 24 de novembro de 2015

alvo

serei eu
seu mais avassalador inebriante
seu correspondente louco
serei seu mais insano desejo
terei seu coração em minhas falas
seu sorriso mais belo e inevitável

serei suas esperas de ligação
terei sua novidade inesperada
a surpresa mais catastrófica
borrarei seu batom vermelho
lutarei guerras intergaláticas

seus castanhos cabelos sofrerão
eternamente embaraçados
em minha mais impulsiva satisfação
sentirá dores na nuca
terá o pescoço sempre avermelhado

as noites não serão as mesmas
as manhãs chegarão mais cedo
o sol irá despertar quem ainda não adormeceu

seu jeito espevitado
de menina que quer o mundo
continuará assim
e eu...
eu serei a chama mais ardente da tarde
a lenha mais seca e inflamável
a chuva se tornará fumaça em brasa

pequena
crivo aqui meu desejo em ti
coloco um alvo em seu peito
caminho de pés descalços
vou em direção ao sol
em direção ao seu riso
seguirei seu perfume
te guardarei em um abraço

Carolina

na manhã de domingo
manhã clara e quente
o sol ainda inspirava os primeiros sintomas
na casa ao lado
num jardim despretensioso
com o regador
a mais bela cena matinal
Carolina e chuva artificial
o sol contrastava com a pele morena
os cabelos pretos e ondulados
Carolina
mil girassóis
quarenta orquídeas
bromélias amedrontadas
dentre tantas flores do universo
a mais bela
a mais bela do momento
era a que regava as outras

Carolina transpirava
vapores e volúpias
alegrava as plantas
e no meu coração
no meu coração floresciam versos

mal sabia Carolina
que o que mais queria
era que a flor mais bela
a mais bela flor
fosse regada por divindades
ver todas as flores na chuva
seria uma dádiva
sol, chuva e Carolina

vida


estar no fim
e ainda assim
apenas começando...

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

silêncio


havia silêncio
havia silêncio...
havia silêncio...
ecoava o silêncio
houve uma onda
onda
a onda criou um turbilhão
turbilhão incontrolável
impensável
impossível
a confusão imperou
tudo era turvo e sombrio
veio a guerra
tentou-se lapidar o diamante
não havia forma
não havia regra
tudo era barulho
murmuro e gemido
o silêncio era ensurdecedor
haviam gritos e desespero
algo precisava surgir
o peito doía
a garganta apertava
o choro esperava a decolagem
veio a imagem
um projeto de superação
o silêncio virou palavra
uma miragem no deserto
o sem sentido
foi sentido
criou-se a falsidade
a garganta berrou
o peito disparou
o mundo floresceu
a palavra ganhou vida
e foi lançada ao mundo
o silêncio voutou
ouviram o silêncio
o silêncio aguarda a onda
nova onda
desesperada onda
angustiado mar
translúcido vento
silêncio
ouviram o silêncio 

embriagado


posso lhe trazer prazer
mas não me peça amor
posso lhe fazer muitos agrados
mas não poderei lhe dar o mundo

mesmo que haja desejo
meu amor está preso em outros olhos
meu coração caminha por outros vales
um outro pescoço guarda meus sonhos
outra mulher ainda inspira meus versos...

se quiseres prazer estarei aqui
sou qualquer pedaço de carne
posso fazer o que você quiser
mas amor não posso dar

posso falar o que deseja ouvir
posso lhe fazer suspirar de desejo
deixá-la esperando a semana toda
por uma noite comigo
mas não serei eu
será apenas minha parte mais perversa

sua vontade de mim acabará
seu desagrado aumentará
pois mesmo presente
contigo não vou estar

posso ver beleza em seu ser
posso até me encantar em sua imagem
mas sei o quanto sou tormento
sei que engendrarei a mais insana superficialidade

não que eu seja sempre assim
conheço parte da parte mais bela
mais agradável em mim
mas a minha face mais luminosa
está embriagada de saudades da lua

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

brevidade

nos olhos do menino
na fragilidade de um corpo
vi toda a força do mundo
a morte não era temida
a vida era vivida
nas possibilidades de vida

na fraqueza delicada
na sutil pureza
escutei na fala do menino
a coisa mais profunda
a mais bela verdade instantânea

quantos anos precisamos
quantas vidas tocamos
para entender a vida
o menino precisou de poucos
poucos breves anos
para saber o que muitos
muitos nunca entenderão
mesmo vivendo dez décadas

quanto dura a vida
quanto é dura a vida
ceifeiros rondam na alvorada
a vida
delicada vida
desaparece em um sopro
em um suspiro
a vida dura o tempo exato
o suficiente

na brevidade da vida
aquele curto instante
foi suficiente para ser eterno
eterno na memória
na saudade
no aprendizado

domingo, 1 de novembro de 2015

renascer

não é ano novo
ainda é meados de agosto
mas há algo novo
há o novo neste mundo tão antigo
velho mundo
o que há de novidade?
o que há de novo se não a vida nova?
essa sementinha de vir-a-ser

bocejando em um ventre
há uma nova vida
um novo fôlego
novas batidas
inúmeras bagunças
e alguns degraus

há uma nova maneira de assistir TV
de ver o comercial da Pampers...
da Hipoglós...
da Jonson e jonson...

qual a cor dos olhos?
cabelos cacheados ou lisos?
negros, ruivos, loiros, castanhos...
quão belo vai ser?
quão esperto?
será o mais desejado

uma nova vida espera a alvorada
um novo nascer do Sol
é um desafio encontrar o mistério
é delicioso viver o mistério daquilo
daquilo que se pensou ser tão conhecido

desejo-lhe descobertas
anos novos
novos momentos
com a sementinha de vir-a-ser

sábado, 24 de outubro de 2015

precipitou-se

precipitou-se
entregou-se ao insano
fugiu das anedotas
escreveu seus próprios versos

ao som de Iorc
coisa linda
caçou as mais felizes estrelas
postou no céu pensamentos
sem comentários

correu como um lunático
avistou as flores do asfalto
colheu algumas amarelas
fez um buquê
entregou a sua amada
se entregou

precipitou-se
fez se chuva
feroz como um gato
um gato de rua
caçou borboletas no jardim

nas entrelinhas
se escondeu
se perdeu
e assumiu seus pecados

um quindim amarelo
bromélias e lírios
encontrou-se
perto de uma esquina
onde a vida dobra
onde a vida repete

precipitou-se
sentiu um frio na barriga
os olhos fechou
os punhos serrou
e os dentes apertou

cresceu
ocorreu que não era tarde
devir
lhe empurrou novamente
decolou-o para baixo
precipitou-se

na renuncia
na busca
assumiu sua culpa
vestiu sua calça branca
foi recitar poemas no gramado
o ipê sorriu
o sol brilhou
precipitou-se

domingo, 18 de outubro de 2015

preta


preta
não faz assim
sei que não acabou
sua nuca
pede meu cavanhaque
suas pernas
as minhas mãos

preta
não fuja assim
pinta os lábios de vermelho
os olhos de preto
os óculos intelectuais
a saia curta

preta
onde está você?
a navalha corta meus punhos
suas palavras estão ausentes
seu cheiro bem distante
seu riso anoiteceu

preta
uso palavras descartáveis
mas as coisas que carrego
são profundas
como as filosofias

preta
não seja ingênua
eu não presto mesmo
nem quero que pense o contrário
mas nem tudo é bom no mundo
meus erros
são para compensar meus prazeres

preta
sou mais um na multidão
não faço nada espetacular
mas sei e você sabe
que nós juntos
somos a mais bela poesia

preta
fique um pouco mais
me dê um cheiro
fale do seu dia
escute minha estupidez

preta
traga seu sorriso
me embrulhe em seus lábios
me contorne com seus braços
balance seu quadril...

preta
me dê a mão
seja minha companheira
meus devaneios solitários
necessitam de um toque feminino

preta
se apronte rapidamente
logo passarei aí
iremos curtir a noite
seremos passageiros
do planeta embriagado

domingo, 11 de outubro de 2015

casinha

no final da tarde
vai à beira do brejo
os sapos coaxam
coaxam simplesmente
para impressionar as pretendentes

a suave brisa
abrasa o cansaço daquele
daquele que trabalhou o dia todo
o Sol se põe vagarosamente
sem pressa de anoitecer

as primeiras estrelas no céu
a lua ainda tímida
as galinhas se empoleiram
subindo no pé de manga
a mulher grita da varanda
chama o seu bem
arroz, feijão e frango
vinho bordô, como não?
o dia se encerra
as crianças já dormem
a onça vaga pela colina
a mulher aguarda com carinho
o sujeito de pijama
samba canção
a luz se apaga
e a história é novamente contada
os sonhos são elaborados
não precisa de relógio
o tempo pode ser desfrutado
sem ponteiros
os amantes
a mata
o orvalho da madrugada
a simplicidade

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

primavera




estava ali parado com meus pensamentos a vagar,
não havia nada de novo, nada de novo.
todas as pessoas pareciam iguais
todas não me pareciam...

até que surgiu o espanto
uma moça de cabelos ruivos
não que não houvesse outras ruivas
outras moças
mas aquela moça
aqueles cabelos ruivos...

ela não era igual, apesar de ser
ela não sei o quê...
ela tornou o dia igual em um singular
como o entardecer da primavera
assim que era ela
um jovem entardecer
rubra flor de primavera

domingo, 27 de setembro de 2015

kombi

uma kombi
uma kombi verde
verde com o teto azul
azul estrelado

estrelas que percorrem as ruas
que alegra a vida dos transeuntes
estrelas que brilham
brilham mesmo com a luz do dia

uma kombi
uma kombi vagarosa
contrariando o transito
impedindo a fluidez ansiosa
a velocidade dos utilitários

o teto azul estrelado
refletiu um sonho
um vagar da memória
um promover futuro

o teto estrelado
pensado
pensado para aqueles de fora
passageiros
passageiros fora da condução

a kombi leva
carrega três pessoas
girando sobre quatro rodas
a kombi voa
voa com meus pensamentos
pensamentos inebriantes

naquele céu estrelado
da kombi verde
respirei o entusiasmo da vagarosidade
desejei paz e amor

uma kombi verde
o teto azul estrelado
levou minha monotonia
quebrou a corrente
se tornou disco voador

disléxico

leio o mundo todo errado
as entrelinhas que desvendo
estão todas equivocadas
nas linhas não há nada
entre elas há apenas fantasias

tão cálido quanto cego
vejo coisas que não existem
leio palavras que não dizem
disléxico

o que faço eu
pobre poeta
diabo
se o mundo está em hebraico

de mãos atadas
não leio braile
não sinto o cheiro
bagunço meus pensamentos
enlouquecido

quando o mundo me for legível
temo não gostar do que lerei
a fantasia às vezes
nos guarda das calamidades do mundo
resistente
resistente e alienado
cego poeta
ainda caminha apalpando equívocos

náufragos

embarcarei agora
velejarei por mares desconhecidos
viajarei de acordo com a vontade dos ventos

vou atracar em terras misteriosas
nadar em praias cristalinas
dormir em sombras
água fresca

nas tempestades
nas tempestades entenderei
que nada é para sempre
a vida se vai com uma grande onda

passarei por náufragos
meus corações perdidos
partidos

um veleiro sobre o mar
névoas confiantes
inebriantes

vendavais em meu peito
estrelas no meu cabelo
tubarões piratas

navegarei pelo mundo todo
mas voltarei
voltarei

voltarei aqui
aqui encontrei alguém
por quem vale a pena regressar

de todos os mundos
de todos os mares
aqui ainda é o meu melhor pior lugar

domingo, 20 de setembro de 2015

rosa

és rosa
vermelha rosa
rosa vermelha
cativas corações errantes
corações de realezas
príncipes
pequenos
cativas amores


és a rosa mais bela
mais bela que todas as outras
és única entre todas
pois nascera em meu planeta

lhe protegerei como puder
lhe amarei como for capaz
lhe deixarei viver

és rosa
és bela
és toda
és efêmera e louca
és passageira
és vida
és instante

onze


talvez seja tarde demais
jah passam das dez
ainda há o calor da tarde
ainda há o cheiro da morte do dia

sei que não sou mais
não sou mais que versos esquecidos
sei que não posso mais
viver poemas antigos

impossível não imaginar
e ainda petulante a sonhar
sonhar com seu riso

sei que jah é tarde
jah passam das dez
a noite quente quer esfriar
as estrelas correm feito crianças

sei que não sou mais
mais que versos inspirados
sei que não deveria
não deveria lhe fazer sonhar

mas ainda...
a cada vez que fujo
me aproximo
me aproximo...

o cursor piscando
e os meus dedos dedilhando
palavras que temo em enviar
jah é tarde
mas não quero dormir ainda

sei que talvez seja tarde
jah passam das dez
mas preciso gritar
gritar para a noite

sei que jah eh tarde
jah passam das dez
não espero nada novo
sei que a lua tem fazes 
desde sempre...

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

repetição


estou repetindo os mesmos erros
esbarrando nos mesmos medos
eu que acreditava ser criativo
vejo minhas criações como meras cópias

no mesmo quarto
relembrando o mesmo amor
escutando as mesmas músicas
relendo os mesmos versos
repetindo as palavras

escrevo cartas a ninguém
elaboro teses sem objetivos
costuro roupas que não usarei
calço sapatos sem ter para onde ir

traço estratégias para um mundo melhor
mas não saio deste mundo
amado mundo de mesmice

meus poemas idênticos
minha prosa
e pensamentos



pernas

pele morena
arrepiada com o vento frio
a saia acima das coxas
as pernas cruzadas...

as pernas da pequena
lançaram meus desejos
a vontade me devorava
alimentava minhas pulsões

aqueles pés pequenos
abraçaram meu corpo
entrelaçando nossas pernas
enraizando nossos corpos

toda volúpia de mulher
nas pernas de menina
a inocência de um abraço
a petulância de um sentido


domingo, 13 de setembro de 2015

black

para onde foram seus cachos?
para onde foram os seus
cachos?
o que fizestes com eles?
eles que eram a salvação do universo
o devaneio mais perverso
meu desejo mais confesso...

o que fizestes com seus cachos?
eles que sempre foram belos
que envolviam meus sonhos
caracóis de seu corpo

como me prenderei
no seu emaranhado agora?
se os dedos que se prendiam
agora passam como pela água?

reivindico eles de volta
por que são belos
e nada mais

de fato não sei muito
não entendo de belo
mas...
do que acho belo
disso entendo
entendo bem

faça novamente
o seu eu mais black
vista seu vestido mais retrô
e vamos tomar um café

não ligue para a chuva
não fique preocupada
o black não sai na chuva
deixe a chuva molhar
a felicidade mora ali
naquele canto molhado

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

cai

a chuva cai
cai
os pingos
os pingos precipitam
nada vai
nada vai chegar
ela não vai chegar
nem ficar
pois está chovendo
mas quando a chuva cai
quando ela cai
sinto mais saudade dela
e ela
ela não vem
quando a chuva cai
é noite
e a chuva cai
e quando é noite
sinto vontade dela
e me dói o peito
por saber
por saber que ela não virá
não virá
queria seus molhados cabelos
queria seu coração batendo
batendo em meu rosto
mas ela não vem
está chovendo
o que cai
cai
a saudade
na sala de estar
as lágrimas
na hora do jantar
pois é noite
há a chuva
e a ausência dela

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

garoto

poderia ter agora 83 anos...
ainda assim seria apenas garoto
um inexperiente
um desnecessário
garoto

perto de uma mulher...
não me sobra muito
o mistério do corpo
o encanto da alma

o perfume de florestas tropicais
calor e humidade
não me sobra muito
a não ser
ser
garoto 

mãos e braços
beijos e abraços
eh o que nos torna
nos torna eternamente
garotos

na voz de Leoni
que nos faz acreditar
que nossa vivencia 
foi musicada

não tenho tanta vida eu sei
qualquer um seria maior que eu
certamente se fosse
se fosse o mais forte dos homens
se fosse o mais rico dos reis
ainda assim
ainda assim me faria
me faria
garoto
garoto apenas
frente a uma mulher
mas não qualquer mulher
mulher
mulher pra mim

o que faz o garoto
se tudo o que precisa
tudo que almeja
tudo que deseja
está ali
na mulher
mulher
que o torna garoto
em qualquer circunstâncias

o que quer o garoto
se não gozar a mulher?
aproveitar cada pedacinho de bom
navegar cada arrepio na nuca
afagar cada cabelo
assoprar cada encantamento

não nos resta muito
não me resta nada
apenas ser
ser garoto
frente a mulher
a mulher amada

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

ana

sua voz quase gemido
os acordes suavemente cadenciados
a poética da canção...

os óculos sobre o nariz
um ar de intelectualidade
os olhos fechados
provável entrega

o queixo quase quadrado
os lábios grossos
cor de rouge
um corpo quequeno
menina

nem há inteção
há simplicidade
há pureza
de movimentos



terça-feira, 11 de agosto de 2015

reticências


sou das longas conversas
das palavras lançadas
das ideias insanas...


sou do caminhar lento
do olhar distraído
da atenção flutuante... 

sou dos pensamentos estranhos
do vinho bordô suave
dos desenhos em nuvens...

sou do pão com ovo
do tempo perdido
dos versos do Pessoa...

sou da gente simples
das duas rodas
dos dias chuvosos e frios...

sou das modas de viola
da poética das flores
de Marte...

sou da vontade de sorvete
da cidade interiorana
das músicas no fone de ouvido...

sou dos poemas incompletos
da falta de argumentos
da não citação...

sou das angustias
da observação de estrelas
da musica de Ana Paula Gomes...

sou do pôr do Sol
das lágrimas irracionais
das palavras incorretas...

sou das aberturas
das possibilidades
das reticências...

domingo, 9 de agosto de 2015

miragem


nossos olhares se cruzam
nossas almas se sorriem
nossos sonhos se iluminam

mas tu e toda beleza
se fecham
desaparecem
e o seu olhar se desprende do meu

seria um delírio
uma miragem
apenas uma vaga lembrança
um traço do que não foi
um vislumbre solitário

acreditei demasiado
achei que era em minha direção
mas estive equivocado
apaixonado por uma miragem
correspondido por um feitiço

tudo era nada
e aqueles que me enlouqueciam
nem repararam no meu olhar
os olhos que fitaram os meus
atravessaram minha alma
e não se deixaram sensibilizar

queria não ter sido afetado
cativado
queria que roubassem minha sanidade
mas agora retiro o véu da fantasia
da ilusão

respirar

e se o horizonte for longe demais...
e se os caminhos nunca mais se cruzarem...
e se as lembranças nos forem roubadas...
e se os sonhos forem deixados após o despertar...
ainda assim...
ainda assim haverá valido a pena
pelo simples fato do mundo girar
pela simples possibilidade do vivido
pela potencialidade de nossas almas
nossa transcendência
pela caminhada
pelas palavras jogadas fora
pelos afetos que nos saltaram aos olhos
pela capacidade de experienciar o belo
do gramado
dos jardins
das ruas madrugadeiras
das possibilidades
que ainda não foram perdidas

daquilo que virá

querer

sabe o mar
o imenso e maravilhoso mar
o mar de ondas e nevoeiro
o mar da vida
pois no mar naveguei
naveguei por sonhos estranhos
por histórias insanas
naveguei

no meu barco
guiando o leme
vive meu querer
meu querer navegou
navegou pelo mar
e assim vaguei
vaguei o mundo

meu querer mudava de direção
houveram tempestades
dias de sol
ilhas
montanhas
e praias

no mar
no mar meu querer me fez menino
e menino quis muitas coisas
coisas que não se pode catalogar
quis nuvens
quis viagens
quis afetos
quis bobagens
meu querer
meu devastador querer
quis pessoas

algumas vezes houve paz
houve possibilidade
mas por muito
por pouco
poucas vezes
meu querer encontrou
encontrou-se com outro
outro querer

houve quem quisesse meu querer
houve querer que meu querer
que meu querer não quis
e houve querer que alegrou 
alegrou meu querer
mas não o quis

o vento ainda sopra
as velas estão hasteadas
e meu querer
meu querer navega
navega em busca de outro
outro querer
outro querer que o queira
e que ele queira também

meu querer navega os mares
buscando um par
não precisa ser igual
em intensidade
ou quantidade
mas que haja querência
das duas partes

meu querer naufraga
meu querer emenda
meu querer flutua
meu querer quer o mar
meu querer quer amar

sábado, 1 de agosto de 2015

colo

sabe menina
o que encanta o poeta
é a imagem
a imagem incompleta
como aqueles pontilhados
desenhos de criança
que devemos ligar os pontos
sabe aqueles racionais pontos
aqueles enumerados pontos
mas o poeta
o poeta menina
não é tão racional
e eu
menina
sou um poeta
projeto de poeta
e levo tempo
levo tempo para ligar
ligar os pontos
e construir alguma imagem
ah menina
pintei um quadro sabe
um quadro daquela imagem
imagem de noite fria
imagem de descoberta

sabe menina
ainda sou um qualquer
ainda sou garoto
estou aprendendo o beabah

abaixo daquela árvore
naquela fria noite curitibana
em uma calçada comum
velando o romance de dois amigos
matamos o tempo
cuidando do que não era nosso
não precisávamos de respostas

já lhe havia prometido não lutar
não forçar nada
mas...
um guerreiro é sempre guerreiro
lhe cobri com meu manto
para espantar o frio intenso
quem sabe ficasse mais um tempo

espanto meu
quando aceitou colo meu
penso que também se espantou em aceitar
mas...
o mundo às vezes é improvável

me fiz leito
para seu quase sono
seu entorpecer na madrugada
sabe menina
me contive demasiadamente
para manter a promessa de outrora
não lhe beijar naquela hora
foi das decisões mais difíceis
não queria estragar a lembrança
tive medo de arriscar
mas...
me valeu a inspiração

menina
despertaste meus instintos mais paternais
queria ser eu mais homem
para lhe tirar todas as dúvidas
queria eu ter tempo de lhe provar
provar que não há o que se dizer
que olhos de poeta
que versos
são mais que simples palavras

ah menina
sabes tu
que por algum momento desejei que o tempo
o precioso tempo
e o espaço
espaço por que não
se tornassem mais empáticos comigo
aquele tempo
aquele instante
que agora malogradamente
finco no tempo

não seja música
não seja verso
não seja outra
aproveite a vida
ouça um insano desvelado
aceite os versos
reversos
de um velho
moleque

das possibilidades do mundo
sabe lá se haverá nova noite
sabe lá se haverá outras inspirações
provavelmente nunca irei ver novamente
seus olhos
nem acariciarei seus cabelos
mas me dói admitir
que o sofrimento é inspirador
para nós dois

gostei de ti
nesta nave espacial
nesta noite especial
deitada em meu colo
envolta em meus braços
tão menina
desprotegida
entregue ao estranho
segura em meu quadro