quarta-feira, 25 de março de 2020

construção


aumentar, aumento, brotar
o mundo vai girando
o fim vai ganhando forma
forma de nada
se é que o nada tem forma

já que outra coisa
coisa nova
já não é mais o que era antes
e tudo se transformou
há de se deixar crescer
há de se deixar fluir
há de se deixar...

a lacuna do tempo
tempo que se tic-taca
mostra o oeste
lugar onde o Sol se deita
a morte do dia
o nascer da noite
e na noite escura
aos olhos das estrelas
a semente germina
e aquilo novo nasce

nasce todo novamente
renasce para continuar vivo
se refaz
apesar da noite
apesar do dia
apesar da chuva e do vento
a vida ladeia a morte
e nas cordas da canção
dançamos à beira de dois abismos

domingo, 4 de dezembro de 2016

passageira

vida frágil
vida salta
vida solta

decolam os aviões
a saudade ecoa no peito
órfãos cadenciam as orações
permanece aqui
permanece a saudade
a travessia já se fez
a ausência está mais presente do que nunca

vida breve
vida leve
vida passageira

a vida se vai
fica a dúvida
fica a desculpa ainda não dita
o perdão não dado
o sorriso guardado
o abraço não tem mais o corpo para apertar

vida louca
vida rouca
vida transcendental

a música é tocada nos funerais
choros e velas
orações e interrupções
viúvas, viúvos
órfãos desajeitados
no fim
quem fica quer poder ser egoísta
pra pedir que quem foi
que fique um pouco mais

vida fragmentada
vida abençoada
vida renovada

ficam os pedaços
os pedaços estilhaçados dos que ficam
ficam os pedaços
os traços na lembrança de quem fica
aquele que foi e deixou saudade
o tempo passa
a vida passa
a morte surgirá novamente

vida surge
vida urge
vida vai

a morte chega
os que ficam
os que ficam não são os mesmos
o toque, o encontro, o viver com o outro
a vida ladeada transformou as cadências
a ausência do outro faz com que se mude
emudecidos gritos de saudade
a fumaça sobe
nunca mais seremos os mesmos
estamos marcados eternamente
pela presença da falta do que já se foi

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

flerte

te vi passar
te vi passar
poderia deixar
poderia fingir não notar
mas seria idiotice
lhe ver
e não flertar com a felicidade

sou alma pequena
tudo ainda é uma construção
talvez tenha fracassado antes do fim
mas se não houve fim
tudo ainda pode se resolver
ou se complicar
viver é complicado

te vi passar
te vi passar...
agarrei tudo o que podia com os olhos
lancei toda luz que tinha
corri o quanto pude
escrevi uns versos
fiz uns olhares
falei algumas besteiras

não podia deixá-la
seria eu uma pipa sem vento
seria chama sem escuridão
veleiro sem mar

de todos os lugares que passei
de todos os abraços em que já tive
seus laços foram os mais cativantes
suas formas mais intrigantes
seu jeito mais inspirador

não há nada neste mundo
que seja absolutamente concreto
nem mesmo somos nós
das almas que já toquei
das loucuras que inventei
certamente
você é o meu risco mais prazeroso
meu desconforto mais gostoso
minha bagunça mais terrível

estou eu aqui
brincando de felicidade
com todas as peças que o mundo me deu
com tudo o que tenho
flertando com a vida
flertando com o riso
flertando com o risco
flertando com a felicidade

sábado, 19 de novembro de 2016

vênus

estrelas no céu
a lua sem véu
cores apagadas
duas almas embriagadas

toda nua, preta musa
ainda um pouco confusa
suor, risos e prazer
noite que nunca vou esquecer

uivam os lobos pela cidade
abre-se um leque de possibilidades
num quarto laços no escuro
um misto de gemidos e sussurros

na pele o sal
doce e quente
distante do mal
fora da mente

o mundo parou naquele instante
ela em meus braços, radiante
não importava mais o futuro
me sentia um menino mais maduro

trocaria toda a eternidade
por essa felicidade
um instante apenas
pra alma que não é pequena

se o mundo for meu
reviverei o que aconteceu
do modo que puder
lhe amarei novamente mulher