travessia

não precisaria viver mais um só dia
não precisaria viver mais
para descobrir...
descobrir que é você quem amo
para saber que é com você que queria estar
até no meu último segundo
no meu último suspiro
é com você que queria estar

agora não estou mais
ao menos acredito que não
se pudesse falar
se pudesse mostrar...

levarei comigo as lembranças
desse amor lúdico e leve
onde quer que eu esteja
se houver lugar
se houver alguma vida
lembrarei de ti com todo o carinho
com toda ternura que poderia guardar

não fiz tudo o que queria
nem o que podia
mas agradeço a cada momento
cada milésimo de segundo que estive
que estive em sua presença

algumas coisas a gente não escolhe
algumas coisas fogem de nossa trajetória
do nosso controle

você irá buscar anúncios de qualquer coisa
qualquer coisa que a ajude a elaborar
a minha eterna ausência
mas gostaria que fizesse
uma ultima coisa para mim...

cuide do nosso gato
passe a vida a diante
caminhe como sempre fez
seja bela e carinhosa
seja suave e perigosa
como sempre foi
e sempre será em minha lembrança

eu serei o mesmo agora
mudarei somente se você quiser me ver de outro jeito
não seja dura comigo
não seja dura consigo
não pude ficar
mesmo querendo estar ao seu lado

um chamado dos céus interrompeu nossos planos
mas acredite
tudo valeu a pena
não saberia fazer de outra forma...

haven

Pintura de Vladimir Kush (HAVEN)



quero navegar

navegar pra bem longe

longe onde céu e mar se encontram

quero chegar onde os olhos não podem ver

onde não há linha do horizonte

vou-me embora para lá

viajar

flutuar feito pluma ao vento

navegar como jangadas ao mar

estarei ao lado do sol

perto da lua

no céu

sem gravidade

sem naufrágios

quero pisar nas nuvens

pescar estrelas

viver dias e noites

em um vale sem fim

lá onde mar e céu são um

estarei mais perto dos sonhos

mais perto dos loucos

ao lado dos astros

estrelas cadentes

estrelas do mar

navios voadores

e aviões submersos

todo sonho possível

não há leste

nem oeste

nem poente

nem nascente

não há razão

todo céu está no mar

todo mar está no ar

enquanto o sol ilumina a baía das nuvens

firmo meu barco no céu

meus pensamentos no papel

e essas palavras no ar

arte

eu a conheci meio ao acaso

no trânsito dos dias revoltos e monótonos

todos que por ela passavam

nada, nada expressavam

a conheci meio sem querer

como por um tropeço

uma brisa me tocou, eu acho

os olhos dela cruzaram com os meus

e foi então que fui laçado

acho que ela guardava algo para mim

acho que ela tinha algo de mim

ela me convidou a entrar

pediu para lhe escutar...

então o fiz

fiz sem saber, sem pensar

fiz porque ela me conquistou

aquele ar de mistério tinha algo de belo

eu a escutei

escutei a mim na voz dela

procurei entender tudo isso

procurei sentir ainda mais

e quando me despedi

quando fui embora

levei ela comigo

ela entrou pelos meus olhos

e nunca mais saiu

ainda lembro dela

ainda penso nela

e a cada vez que penso, a cada vez que lembro

lembro de um sorriso diferente

lembro de uma brisa

lembro de uma miragem

lembro de mim

investida

seu caminhar de pluma ao vento
um desejo em recalque
um sublime suspiro
dois passageiros na bicicleta

três rosas no jardim
um milhão de sonhos no bolso
minhas mãos em seu quadril
suas mãos em meu pescoço
e nossos pés no céu

sob a canção da brisa
com as bênçãos das nuvens
juramos não jurar
tudo estava naqueles olhos de gata
toda a promessa não cumprida
todos sonhos não vividos

dois estranhos no banco da praça
estranhos a conversar por horas
conversas estranhas
corpos, mentes e comportamentos
dois abstratos filosofando...

as folhas ainda caem no chão forrado
as palavras já se sessam
e os olhos já cansados
desejam se refazer
uma imensidão de desejos 
percorrem minha barriga

o fim da noite se aproxima
tento deixar a porta aberta
para quem sabe voltar a visitá-la

seus lábios deixam o recinto
a saudade
ainda habita o lúdico

ela se vai
e consigo leva a esperança 
de noite mais prolongada
deixa o gosto de novidade
a vontade de ter mais
deixa também
a promessa de uma próxima
uma próxima investida

cumplicidade

me faltou aquele sorriso
aquele meio sorriso que era o sol
aquele sem dizer
que dizia todo o resto

não havia nada
apenas aquele olhar
e dizia tudo
tudo o que precisava saber
nada mais

ela sem dizer me revelou
me revelou o que queria
e o que queria era eu

eu morava nos pensamentos dela
e ela nos meus
eu achei que pensava sozinho
mas quando pensava, era ela
ela que comandava meu pensar
e eu o dela

ela me deixou 
e eu deixei ela
para provar que somos dois
e que nossas conversas
nossa sintonia
só poderia funcionar
por que haviam dois
dois separados
separados mas em um único sonho
uma projeção
uma simples projeção no outro

amava meu reflexo nela
e acho que ela gostava
do dela em mim
mas o tempo
o tempo naufragou nosso explendor
e numa noite escura
não mais encontramos um no outro
e então nos separamos
pois havia proximidade demais
tivemos que nos descolar
para que fosse possível
que fosse possível nos amar a dois
e não um...

elipse

estou vivendo de versos repetidos
poemas antigos
paixões passadas
problemas mal resolvidos

estou repetindo os caminhos
tropeçando nas nuvens
perdido entre os vales
caminhando em elipses

fui até onde não sabia
caminhei onde não podia
e retornei

me esqueci de dar o passo
não pude vencer o medo
repeti todas as angústias
por receio do novo

as minhas roupas parecem as mesmas
meus sapatos ainda sujos de terra
meus pensamentos tenebrosos
e as coisas estáticas

quis mudar
mas recuei
e agora estou ainda preso
preso no que um dia já foi passado
e agora é presente 

convite

quero estar contigo
mas ainda estar comigo
quero compartilhar o que tenho de bom
e o que tenho de mal
por que não?
o que carrego 
o que apresento
não é tudo o que tenho
ainda guardo algumas surpresas
boas
e ruins também
mas será novo
isso sim
e quando me refizer
as coisas parecerão tão loucas
que nem sei se vai querer estar comigo
mas tentarei mesmo assim
não serei mas eu
mas a alma que vaga pelo caminho
que vaga sem destino
esta que agora é um ponto
há de ser a mesma
quase a mesma
quase sã
tenho algumas coisas à dizer
algumas coisas pra lhe mostrar
outras para lhe esconder
mas lhe convido
convido a partilhar alguns momentos comigo
momentos
existe a possibilidade de isso acontecer
de ser bom
ou não ser
mas quero que saiba...
você ainda é a pessoa com quem queria estar
jogar conversa fora
partilhar um abraço
você é essa pessoa
que a alma andante
almeja caminhar ao lado

(in)completo

vai me odiar
mas vai amar pensar em mim

vai querer que eu morra
e também partilhar uma vida comigo

vai desejar nunca ter me conhecido
e pedir a deus pra não me esquecer jamais

vai chorar por mim
e vai rir das minhas loucuras

vai querer que eu esteja longe
e desejar dormir em meu abraço

vai pensar que só tenho defeitos
e perceber que não vive sem eles

vai querer conhecer outros caras
e perceber que somente eu lhe dou prazer

vai pensar que tudo está perdido
e se lembrará que nunca houve nada de concreto

vai sonhar com belas histórias
e acordar pensando em mim

vai andar sozinha
e entender que somos dois

vai achar que sou teu
e perceber que não somos de ninguém

vai se esquecer de mim
mas o afeto ainda estará lá dentro

essas palavras lhe farão todo sentido
mas vai desejar nunca ter lido estes versos

brisa

um bar
umas palavras 
duas ou três bebidas
morenas passantes
boas risadas

uma brisa boa
uma conversa a toa
no céu as estrelas
os faróis nos carros

a possibilidade de ser livre
um pouco livre
sem pagar nada
sem pagar muito

os pensamentos esgotados
e os assuntos também
o trivial se vai
o clima
o calor
o trabalho

quando todo o assunto termina
começa a conversa que nos coloca
coloca humanos e inseguros
incertos

o que se havia programado acaba
e o que deveríamos dizer surge
surge meio disfarçado
meio acanhado

e as palavras ganham vida na madrugada
algumas dúvidas
algumas promessas
outras tristezas
e um tanto de felicidade

quando não pensamos tanto
naquilo que deveríamos falar
no que deveríamos esconder de nós
e dos outros
a coisa muda
e as feridas que eram ocultas
permeiam as palavras cuspidas na rua

um bar
uma calçada
umas biritas
e um bom amigo

vagar é tão normal
perambular sem rumo
nos pensamentos soltos
que tudo parece nebuloso
tudo é apenas uma abstração

perguntaram

me perguntaram:
você está bem?
olhei para o céu...
sim
bem...

me perguntaram:
com quem está?
olhei para o lado...
estou com ela
muito bem...

me perguntaram:
o que está ouvindo?
fechei os olhos...
os meus sonhos
muito além...

me perguntaram:
você tem fome?
fechei os olhos...
sim
muita...

me perguntaram:
onde você está?
olhei em volta...
aqui
bem aqui...

me perguntaram:
sente frio?
fechei os olhos...
não
estou com ela...

me perguntaram:
estás louco?
abri os olhos...
sim
muito bem...

me perguntaram:
onde estão os outros?
olhei em volta...
aqui
dentro de mim...

platonice

bobagem minha
querer você assim
querer você pra mim

você nunca seria minha
não esta que eu imagino
não esta que sonho
idealizo

tão bela 
tão solta
tão linda
tão louca

bobagem minha
bobagem querer você
aquela que está dentro de mim
dentro da minha mente insana
nos meus sonhos mais lúdicos

já viajei contigo pro exterior
fiz jantares enfeitiçados
serenatas de cinema

poemas extraordinários
tudo em meu imaginário

platonice minha
querer você assim assim
pra mim
nunca seria aquela que eu idealizo
mas seria bom
quem sabe

platonice minha
desejar você inteira
comigo e mais ninguém
daquele jeito que somente nós
somente nós 
poderíamos ser

platonice minha
sei que nunca será outra coisa
mas ainda estarei aqui
desejando o impossível
cobiçando o inexistente
existente em mim

platonice a minha
vontade de ter você
e ainda assim
por saber
sem saber
que desejo louco
que foi sonhado
pode se tornar real
parcial
que seja