segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

casquinha

ela botou seu vestido branco
branco rendado
calçou as sapatilhas roxas
emaranhou uma flor amarela nos cabelos
negros cabelos longos da pequena

ela tinha o perfume das rosas
uma mistura de vendavais
e nuvens brancas das montanhas

na tarde quente de verão
um domingo para ser mais exato
foi tomar sorvete
limão e chocolate 
na casquinha
combinação perfeita
tipo ela
azeda e doce
branca e preta
tímida e revolucionária

observava o mundo
seus pensamentos voavam
o sorvete derretia
derretiam também os passantes
mas nem todos perceberam
ou entenderam
a beleza daquele instante
um universo todo 
os lábios molhados
a língua na mistura
gelo e fruta
leite e chocolate

havia um frescor
novas possibilidades
novos sonhos
a brisa em seu cabelo
a flor preciosa
que carregava outra

as roxas sapatilhas balançavam
os pés que não alcançavam o chão
balançavam também
toda a certeza
de que gozaria novamente
algum momento como este
simples
inspirador
mágico
um sorvete
uma tarde
um domingo

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

alucinado


náufrago em seus olhos
mareados olhos
encantado por uma beleza imaginada
devoto de uma paixão
paixão que nem está

os perfumes flutuam as galáxias
seu cabelo preto
solto amarrado
os lábios rosa
Rosa

procurei você
nos meus mais sórdidos pensamentos
nos bares mais escondidos
nos mares mais longínquos

a cada passo
a cada laço
fiz novas lembranças
cada praia
cada pedacinho de miragem
sonhava você

o sal do mar
o sol nas ondas
seu pescoço arco-íris
as nuvens
deuses inexistentes

sei que não existe
mera criação de um alucinado
a construção devaneio
o vento
a maresia
a ressaca

corrompi meus versos
as palavras emudecem
os olhos corroem
o calor condena

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

cego

a claridade me cega
cega o homem da escuridão
acostumado com a firmeza da rocha
com a segurança dos meus passos
me vi bamba
me equilibrando com os braços abertos
nas ondulações do vento
nas incertezas da vida

o mundo se fez água
solúvel
líquido
totalmente passageiro
podia aceitar a efemeridade das coisas
mas o biscoito é sempre o último no pacote
o beijo é sempre de despedida

a luz clareia
clareia a obscuridade do patético
os romances não são bem vistos
não são sonhados
são apenas mais um gênero literário
moda do passado

nas superfícies impenetráveis
nada de profundidade
as conversas triviais
piores que a própria chuva
ou o sol
a vida do outro
parece ser mais importante
nada mais de poesia
ou ao menos loucuras

perdeu-se o mundo
criou-se a vida
moldou o homem
iluminado homem
cego de certezas
e julgamentos
de vidas alheias

a poesia
filha bastarda da linguagem
é esquecida nos becos
recolhida por caminhões
queimada nas lareiras sociais

nas rodas de conversas
nem se roda mais
a iluminação
a luz que cega
ensurdece o espírito
nada mais é perdido
nem o tempo
nem a foto
a selfie

da escuridão eu sabia bem
não havia razão
tudo era permitido
reprimido
me fiz homem
raso e vasto
para que todos me vejam